Aconteceu nesta sexta-feira (18/05) no auditório do Bloco
T da FURB o encerramento da Mostra Enloucrescer e das festividades de
comemoração da Luta Antimanicominal no Brasil.
Apoiada pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas
Populares da FURB (ITCP) a Enloucrescer é a Associação de Familiares, Amigos e
Usuários do Serviço de Saúde Mental de Blumenau e tem como um dos seus grandes
objetivos a reinclusão de pacientes de tratamentos psicológico-psiquiátricos na
sociedade.
Além de mostras culturais e a apresentação do grupo de
teatro Estações da Vida, também houve uma palestra apresentando as ações do
Centro de Documentação e Pesquisa do Hospital Colônia Sant’ana (Florianópolis),
que está completando 70 anos.
Mas afinal, qual é
a relevância da luta antimanicomial?
No passado os portadores de doenças mentais eram tratados
com violência e não raramente mortos por serem considerados perigosos para a
comunidade ou simplesmente por viverem de uma forma divergente daquilo que era
aceito pela sociedade.
Foi só no século XIX que um médico chamado Philippe Pinel
(1745 – 1826), considerado por muitos o pai da psiquiatria, começou a tratar
tais pessoas como doentes e passou a classificar suas diversas condições, perturbações
e episódios específicos. No entanto, isso em pouco diminuiu a brutalidade com a
qual essas pessoas eram tratadas.
Confinamento em estreitas salas acolchoadas, camisas-de-força
usadas por tempo suficiente para prejudicar irreversivelmente a circulação sanguínea,
tratamentos de choque que mais traumatizavam do que efetivamente auxiliavam os
pacientes, cirurgias cerebrais inconcebíveis atualmente – como aquelas dos
primórdios da lobotomia – são apenas alguns dos exemplos de torturas aos quais
essas pessoas eram submetidas com frequência alarmante.
Para se ter uma ideia, o Bethiem Royal Hospital de
Londres permitia que visitantes assistissem as torturas por diversão, quando
pagavam.
Com o avanço da indústria farmacêutica com os remédios
psicotrópicos, a humanização da Medicina como um todo, as novas técnicas
trazidas pelos pioneiros da Psicanálise e as regras claras impostas pelos
Direitos Humanos no tratamento de pessoas, a situação melhorou.
Contudo, ainda há um grande hiato – gerado em parte pelo
preconceito da sociedade e em parte pela ignorância que ainda há na Comunidade
Científica – no qual não se percebe que isolar uma pessoa, privando-a do
contato com seus semelhantes tende apenas a agravar quadros que, na grande
maioria, já são extremamente delicados.
Um autista, por exemplo – que por definição é um
indivíduo com certa dificuldade de comunicação, sociabilização e adaptação –
costuma fechar-se em seu próprio mundo e é, no mínimo ilógico e contraproducente,
privar essa pessoa do contato social ao invés de incentivá-la.
Então como lidar
com pacientes psiquiátricos?
Talvez compreensão e apoio sejam as palavras mais
importantes nesse sentido.
Pacientes que sofrem de depressão costumeiramente são
pressionados pelas famílias, que sem saber como lidar com a situação, usam
muitas vezes de culpa para que eles melhorem. Mas o fato é que ninguém é
culpado por ser triste e tentar mudar essa condição pressionando o paciente com
demagogia apenas o afunda ainda mais na própria tristeza.
Por outro lado, pacientes que sofrem de ansiedade
costumam ver na obrigação imposta pelos seus uma razão a mais para aumentar o
anseio que os consome, sem compreender que a ansiedade é como a fome: ela chega
ao ponto limite e vai diminuindo.
Já os casos de fobia e pânico costumam ser encarados como
falta de coragem e muitas vezes como fraqueza. Mas não há ninguém que não sinta
medo, sendo que o que difere uma pessoa corajosa de uma que não seja é que a
primeira confrontará o medo. Mas a apatia é parte do processo de ser humano e
sentir-se fraco não torna alguém menos forte.
O fato é que sentimentos como tristeza, ansiedade, medo,
raiva e insegurança são importantes para todas as pessoas, pois são
fundamentais na construção do próprio ‘ser’. Essa busca farmacológica pela ‘felicidade
constante’ só pode ser vista como uma vontade de se alienar.
Estar sempre alegre e sorridente nunca foi um sinal de
saúde mental, muito pelo contrário.
Mas afinal de
contas, o que é loucura?
Por definição científica, a loucura é a incapacidade de uma
pessoa em discernir o que é Imaginação do que é Realidade, criando um estado de
confusão e de sensações emaranhadas.
Já Realidade é, de acordo com o mesmo conceito
científico, qualquer coisa que possa ser acessível, perceptível ou mesmo
compreendido pela Ciência, pela capacidade sensorial de cada um ou por qualquer
outro sistema de análise.
Contudo, a Ciência ainda é falha em boa parte das
definições.
Buracos Negros, Anãs Brancas e vida em Marte não eram
considerados realidade até pouco tempo atrás. Aliás, a Ciência atual sequer
consegue definir com precisão o que é Vida.
O conceito mais aceito é: “Vida é tudo aquilo que precisa de combustível para se manter e pode se
reproduzir”. No entanto o fogo precisa de combustível para existir
(oxigênio) e se reproduz, mas todos sabemos que fogo é o resultado de um
processo termoquímico, e não um ser vivo.
Logo, a concepção de Realidade que temos hoje pode ser
tão falha quanto àquela que tínhamos sobre o Tempo no século passado e isso
coloca a definição de Loucura em xeque.
Já para a Psicologia a Loucura é uma condição da mente humana
caracterizada por pensamentos que sejam considerados anormais perante as normas
da Sociedade, o que torna essa definição ainda mais tênue se considerarmos que
enquanto algumas sociedades são predominantemente vegetarianas, outras comem
até animais de estimação. Qual delas é mentalmente sã? Aliás, existe sanidade
mental?
No começo do século XX a Medicina considerava o orgasmo
das mulheres uma doença à qual dava o nome de Histeria Feminina.
Mulheres com a libido muito forte procuravam
frequentemente um médico que introduzia nelas terapeuticamente todo o tipo de
vibradores para que elas chegassem ao orgasmo e a libido, que era vista como
primeiro sintoma da Histeria Feminina, cessasse um pouco.
Assim como hoje isso nos parece ridículo, é muito possível
que a definição de sanidade seja vista de forma inacreditavelmente risível
daqui a cem anos.
Então qualquer
tipo de comportamento pode ser saudável?
Sim e não. Por mais estranho que pareça, qualquer pessoa
tem o direito de se comportar como convir desde que isso não prejudique a si
mesma, a outras pessoas ou infrinja alguma lei.
Todos já conheceram pelo menos uma pessoa que era ousada,
não tinha medo de se ferir, respondia prontamente a qualquer desafio e se
orgulhava de estar imersa em algum tipo de vício. Isso é chamado de
comportamento autodestrutivo e se não for acompanhado com cuidado pode gerar um
suicida (mesmo que isso não precise necessariamente acontecer).
Estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que
uma a cada cem pessoas é um psicopata. Isso torna absurdamente plausível que
cada um de nós já tenha conhecido pelo menos um. Contudo, menos de 1% dos
psicopatas é capaz de fazer mal a alguém. A Neurologia e a Genética ainda
tentam entender o que leva uma minoria a cometer crimes, mas os melhores
indícios de comportamento violento começam na infância: crianças que torturam
animais têm mais de 70% de chances de se transformar em adultos violentos.
Outro comportamento psicótico comum que todos já
presenciaram ou até viveram é aquele no qual um casal se ilha do mundo,
geralmente pela pressão de um dos dois, agindo como se apenas a companhia um do
outro se bastasse. Essa ação de cercear a liberdade alheia também denota riscos
para as duas pessoas, pois todos os enamorados acreditam que o relacionamento
será eterno e, enquanto existir, farão com que pareça. Mas dificilmente é.
Os três casos acima são apenas três exemplos de
comportamentos que, mesmo quando socialmente aceitos, podem esconder uma
patologia pungente.
O importante é ressaltar que não importa se a pessoa
gosta de usar uma camisa esburaca nas axilas, se ri como um relincho, se
prefere um livro a uma conversa na balada ou se come sujeira do nariz, isso é
comportamental. Não diminuiu a sanidade. Apenas não se adéqua às regras
previamente determinadas pela Sociedade e as instituições que a manipulam.
A Sociedade como
delimitadora do ser.
Você não vai à escola para adquirir conhecimento, mas sim
para ser adestrado. O uniforme, o sinal, o recreio e a obediência mesmo frente
à certeza do erro são apenas uma forma de condicionar o jovem a ser um operário
e aliená-lo daquilo que realmente importa.
Sua religião não é melhor do que a do seu vizinho. Seu
deus provavelmente é o mesmo cultuado por povos que você nunca ouviu falar,
apenas com um nome diferente. Mas o conceito é o mesmo. Um evangélico que
desacredita a crença de um cardecista na reencarnação está sendo tão incrédulo
quanto um cético que duvida da sinceridade nas palavras do pastor que guia seu
culto. Em contrapartida, um ateu que acredita em teorias que nunca foram
provadas cientificamente (como a Pangeia) está, assim como um católico,
simplesmente tendo fé. Cada um tem o direito de crer no que julgue mais
apropriado, mas jamais pode julgar alguém por não compartilhar de suas idéias pessoais.
Como aqueles que crêem que todo muçulmano é um terrorista, mas não sabem que as
Cruzadas começaram pela ordem de um membro da Igreja Católica Apostólica Romana
da Idade Média.
Crenças são crenças. Não passam disso. Independente de
você crer em uma entidade que é uma só ao mesmo tempo que é três, no fato de
que alienígenas virão à Terra para roubar urânio enriquecido, que o mundo é
controlado por uma Ordem Secreta ou que o Universo surgiu de uma grande
expansão, são apenas crenças. E não tornam alguém mais ou menos.
E você não homossexual. Nem heterossexual e tampouco
bissexual. Isso são conceitos que a Sociedade criou para te limitar às suas
próprias escolhas, que são absolutamente relativas e imprevisíveis. São rótulos
vis que tem por objetivo apenas limitá-lo.
Crenças, escolhas, orientações, gostos, costumes, idiomas
e etnias são apenas diferenças sutis entre os seres humanos. Contudo, são
diferenças sutis que fazem com que as pessoas se afastem cada vez mais umas das
outras. E, convenhamos, se os dinossauros que não faziam um décimo do que
fazemos se extinguiram, por que não nós?
A Sociedade tem sua importância ao criar regras que
possibilitem o convívio relativamente pacífico entre pessoas plurais. No
entanto, quando o todo tenta reduzir o indivíduo fazendo com que ele limite a
si mesmo, então o todo já não é mais positivo.
Pessoas com doenças mentais não devem ser trancadas ou
olhadas de forma desconfiada, porque são apenas pessoas com um problema. E
problemas todos têm.
Dá próxima vez que você vir alguém na rua que considere
estranho, esquisito ou anormal, lembre-se: as camisetas eram consideradas
roupas íntimas até os anos 50, portanto, se você estivesse nos anos 40 o
anormal seria você.
E nunca se esqueça que geralmente a podridão está nos
olhos de quem vê.
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