Aconteceu no ultimo domingo (27/05) a polêmica Marcha da Maconha
em Blumenau.
Antes de iniciar qualquer texto, é imprescindível
esclarecer a todos os leitores que a marcha em si é um direito civil garantido
por uma decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 187 e pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
4.274 nos quais ficou decidido por unanimidade que a Marcha da Maconha é um
direito do cidadão, amparado pelo Inciso XVI do Artigo 5º da Constituição
Federal, desde que não envolva menores de idade e tampouco se faça a utilização
da droga em locais públicos durante o evento.
Desde a Antiguidade a maconha – ou Cannabis sativa – é amplamente usada no Oriente como remédio e em
rituais religiosos, fazendo até parte de algumas mitologias. Gregos e romanos a
usavam na confecção de tecidos, cordas e velas.
Ironicamente, a primeira Bíblia tipografada – de Johannes
Gutenberg, na Renascença – foi impressa em papel de cânhamo, uma substância presente
abundantemente no caule da maconha.
As primeiras menções históricas da utilização da droga
propriamente dita no Brasil remetem à época colonial, quando escravos traziam ‘cigarrilhas’
escondidas e usavam em rituais de Candomblé e para fins meramente
relaxantes.
O Brasil chegou até mesmo a ter uma Real Feitoria de
Linho-Cânhamo (maconha), em 1783.
Até o final do século XIX a planta era legalizada, mas
vista com preconceito pela realeza luso-brasileira por representar os escravos
e os costumes africanos.
Em 1830 um ofício da Câmara Municipal do Rio de Janeiro
(capital do país, naquela época) proibiu o uso da maconha, mas só veio a ganhar
maior força de opressão no começo do século XX, quando os cigarros da planta
começaram a se popularizar vertiginosamente.
Na década de 20 uma pesquisa pouco confiável alegava que
a cannabis matava mais do que o ópio e isso bastou para que ela fosse inclusa
na lista de drogas mais nocivas do mundo.
Com o passar dos anos muitas pesquisas tem sido feitas e
a droga foi liberada em muitos países, mas muito ainda se discute a respeito.
Alguns especialistas afirmam que ela destrói irreversivelmente os neurônios afetando
a inteligência dos usuários, enquanto outros afirmam que seu uso incentiva a
criação de ligações nas sinapses aumentando a inteligência de quem a consome.
O que se pode afirmar seguramente hoje é que ela possui
propriedades relaxantes indubitáveis e que não é possível se ter uma overdose a
utilizando.
Países como Argentina, Bélgica, Índia, Paquistão, Peru e
Uruguai a legalizaram. Austrália, República Tcheca (onde nem a prostituição
infantil é crime), Macedônia, Canadá, Equador, México, Chile, Finlândia,
Holanda, Colômbia, Alemanha e Portugal a descriminalizaram.
A diferença entre legalizar e descriminalizar é que
quando se legaliza é permitida a comercialização em todo tipo de estabelecimentos
(como o álcool, o cigarro e a aspirina), ao passo que descriminando apenas
deixa de ser um delito a utilização da substância.
Remédios como o Sativex, do laboratório Novartis, são
feitos à base de cannabis. Assim como muitos anestésicos são feitos de cocaína,
antitussinógicos de heroína e psicotrópicos de metanfetaminas. Por isso muitos
que defendem o uso de qualquer tipo de droga costumam usar a comparação com
remédios farmacológicos, que também são drogas.
Contudo, os remédios são usados sob prescrição médica,
caso contrário podem matar.
Outra afirmação recorrente sobre a maconha no Brasil tem
a ver com o tráfico. “Se eu plantar em
casa, não preciso comprar de ninguém e assim o tráfico acaba”, simplificou
um manifestante. Contudo a maconha não é a única droga e se for tão fundamental
assim para o tráfico, esses criminosos – uma vez que perderem seus clientes –
passarão a cometer outros crimes, como sequestros. Criminosos profissionais não
vão deixar o submundo só porque perderam uma clientela.
Contudo, sabemos que muitas das coisas que hoje todos
fazem e usam – como as camisetas de algodão ou as lâmpadas de xenônio – já foram proibidas e
criminalizadas no passado.
Basta lembrar-se da Lei Seca que ocorreu nos Estados
Unidos entre 1920 e 1933. Ela não desincentivou o uso do álcool... ao invés
disso, ela serviu para que a Máfia ganhasse uma força que por muitas décadas não
teve par naquele país.
A indústria tabagista é hoje, provavelmente, a maior
assassina do planeta. Por ano, 200 mil pessoas morrem devido a utilização do
cigarro só no Brasil. Esses pequenos bastões de câncer possuem mais de 80
substâncias altamente tóxicas em sua composição e só não são proibidos porque
sua indústria bilionária tem o segundo maior lobby do mundo (o primeiro é da
indústria farmacêutica, que brinca com a saúde das pessoas só para ganhar
dinheiro).
Entretanto, há mais do que a saúde em questão: há educação.
Existem leis que proíbem fumantes de poluírem os pulmões
das pessoas a sua volta com seu vício em diversos lugares, mas isso nem sempre
é obedecido. O mesmo ocorreria com a maconha?
Sim, a manifestação foi um belo exemplo de militância
dado por centenas de jovens blumenauenses nesse domingo que apenas queriam
fazer valer seus direitos e colocar em pauta a discussão entre liberdade
individual e moral coletiva. E isso por si já é válido.
No entanto, apesar dos esforços e da dedicação dos
organizadores para que a Lei fosse cumprida durante a marcha, havia diversos
menores de idade e algumas pessoas fumando abertamente seus ‘baseados’ enquanto
caminhavam pela XV de Novembro. Infelizmente a falta de bom senso de poucos, às
vezes põe a perder a legítima luta de muitos. Talvez seja esse o aspecto mais periclitante.
Outro ponto a ser citado eram os momentos nos quais
alguém tomava a voz, falava e fazia com que os manifestantes repetissem o que foi dito, algo
que desvirtuou um pouco a ideia de liberdade individual.
E o momento em que todos começaram a saltar cantando ‘pula
quem não é careta’ soou provocativo. Não é de bom gosto uma brincadeira que soe
como desafio quando todos sabem que muitos jovens se viciam em drogas (de
qualquer tipo) justamente por serem desafiados. E o termo ‘careta’, aliás, é uma
palavra extremamente obsoleta que podia até ser moda nos anos 70, mas não mais em 2012.
Em contrapartida, muitas pessoas que estavam na rua e
presenciaram a manifestação demonstraram indignação, alegando que existem
causas mais importantes pelas quais lutar.
Esse é um pensamento ruim.
Nenhuma causa é maior ou menor que outra. Esses jovens
lutam para que seu hábito seja descriminalizado. Outros lutam para que
políticos corruptos paguem por seus crimes. Muitas pessoas dedicam suas vidas a
ajudar crianças abandonadas, enquanto outras se entregam com devoção a garantir
os Direitos dos animais. Nenhuma dessas lutas é boba, desimportante ou pequena.
Não há parâmetros de comparação. Se cada um lutar pelo que acreditar, a
sociedade se tornará, muito possivelmente, um lugar bem melhor para se viver.
E aos que ainda têm esperanças que a presidenta Dilma
Rousseff tome posição em relação à legalização (ou ao menos descriminalização)
da maconha, fica a má notícia: ela não teve dignidade sequer para vetar o novo
Código Florestal, não parece que terá peito para encarar uma discussão dessas.
Eu não bebo, não fumo e tampouco uso qualquer tipo de
substância ilícita, não me posiciono nem a favor e nem contra a maconha: me
posiciono em prol da discussão civilizada que leve a uma atitude coerente que
seja boa a todos, mas sem grandes lobbies envolvidos. Quer legalizar a maconha?
Legalize. Quer proibir porque ‘faz mal’? Então que também sejam proibidos os
cigarros e remédios como o Roacutan, que deliberadamente matam centenas de pessoas diariamente no mundo inteiro.
No entanto, fica a questão: uma pessoa não é livre para
decidir se quer se arriscar, se viciar ou até morrer? Se a resposta for não,
então a Liberdade é uma mentira tão mal contada quanto a Democracia.
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