Se duas Guerras Mundiais e incontáveis outros conflitos
ensinaram alguma coisa para a Humanidade – e deveriam ter ensinado – é que
se começa a perder a batalha no momento em que divergências internas dividem o seu
próprio exército.
Mas a Humanidade, como infelizmente já era de se esperar,
não aprendeu essa lição.
No calor do combate se criam janelas de oportunidade que indivíduos
e instituições de intenções duvidosas se utilizam em benefício próprio. Outros,
até bem intencionados, passam a agir com frenesi e falta de bom senso. Isso
costuma ser o suficiente para aqueles que levavam a causa a sério, a abandonem.
Aos poucos, a luta perde o foco.
O movimento teoricamente organizado pelos estudantes de
Blumenau em combate ao aumento abusivo na tarifa de ônibus imposto pelo Cartel,
digo, Consórcio SIGA, começou de forma legítima e bastante louvável: com uma
ideologia pura e jovens bem-intencionados.
Mas estamos em ano eleitoral e os abutres partidários –
aqueles que ficam voando sobre a carniça podre de administrações políticas
ruins – acabaram enxergando nisso uma janela de oportunidade. “O prefeito transformou a cidade em um feudo
e agora vamos usar isso contra ele e eleger os nossos”, foi o que
provavelmente pensaram.
Já no segundo protesto a coisa começou a mudar.
Lideranças estudantis de outras cidades vieram para, em tese, ajudar na
organização, mas em poucas horas estavam assumindo a frente, tomando o
megafone, gritando palavras de ordem e exigindo ser seguidos.
Entre eles, dois ou três pré-candidatos ao cargo de
vereador nas eleições que ocorrerão este ano.
O terceiro protesto – partindo da prerrogativa de que
pessoas com interesses mais pessoais do que ideológicos não foram barrados no
segundo – foi uma festa de politicagem descarada. Estudantes erguiam de boa
vontade placas com os dizeres ‘Povo Unido Luta Sem Partido’, enquanto um grupo
bastante suspeito usando camisetas de um partido da oposição acompanhavam a
passeata de longe, como faz o fazendeiro com seu rebanho.
Motoristas de
ônibus, cobradores, guardas de trânsito e policiais estavam favoráveis à causa,
bastante justa, mas a desordem e a presença de partidos políticos minou a
credibilidade do movimento. A maioria dos militantes do terceiro protesto, não
compareceu ao quarto.
Por fim chegamos ao quarto protesto, iniciado ontem (segunda-feira,
27 de Fevereiro) às 18h na frente da Praça da Prefeitura, onde outrora existiu
uma frondosa figueira.
Mais uma vez houve pessoas ostentando camisetas com
siglas partidárias. Isso causou a indignação de alguns membros, pois um
movimento apolítico não pode correr o risco de vir a se tornar propaganda
eleitoreira de alguém, seja quem for.
A ideia inicial fora ir à sede do SIGA e jogar ovos. A
polícia sabia disso e, independente da posição pessoal dos seus oficiais,
jamais poderia permitir tal ato. Depois se aventou a possibilidade de ficar em
frente à prefeitura gritando ofensas ao prefeito, que nem estava lá. Aliás,
dado o horário, não tinha mais quase ninguém no prédio.
O movimento estava minguante quando, de uma hora para a
outra, surgiram dezenas de jovens ostentando faixas e megafones. Entre todos os
presentes, ao menos três pessoas com interesses (não divulgados publicamente)
de concorrer para vereador.
Houve discussão acalorada e, por fim, aqueles que
realmente ainda estavam acreditando na idoneidade do movimento, foram embora.
Os que ficaram também se dividiram, indo um grupo com menos de 40 pessoas ao
terminal PROEB e ficando outro grupo com menos de uma dúzia de pessoas na
praça, conversando sobre o que havia acontecido.
Três coisas, no meio de tudo isso, me preocuparam:
·
Durante a discussão, foram feitas acusações.
Algumas graves, mas sem provas. Quando o grupo de 40 jovens saiu, houve um
momento de parada no qual uma das pessoas acusadas aproveitou que a acusadora
não estava mais lá e a acusou de trabalhar para o prefeito, algo que
definitivamente não era real. Acusações não são ofensas: são afirmações que
devem ser provadas por quem as faz.
·
Enquanto estavam reunidos, discutindo para onde
iriam, foi feita a criativa proposta de acampar nos terminais. Empolgados, os
jovens logo se aprumaram para ir. Contudo, isso denota planejamento logístico,
não pode ser decidido no calor do momento. Além do que, exige conhecimento
legal. Os terminais – hoje pertencentes ao Consórcio SIGA – são propriedade
particular. Não se pode arbitrariamente invadi-la e acampar lá. Isso provocaria,
no mínimo, confronto desnecessário com a polícia. Além de despertar a antipatia
de pessoas que até então concordam com o movimento.
·
Mas o ultimo questionamento é o mais complicado
de todos: sabemos que alguns membros do movimento foram até escolas para trazer
estudantes ao protesto. A maioria desses estudantes, menor de 18 anos. A
pergunta que fica é: havia a autorização dos pais para isso? Essa autorização,
diga-se de passagem, é fundamental. E caso acontecesse algum problema com a
polícia e um desses jovens se ferisse, quem seria responsabilizado? A polícia
(que apenas cumpriu seu dever)? Ou quem de fato aliciou os menores sem as
devidas autorizações dos responsáveis?
Por sorte, apesar de alguns momentos de tensão que
ocorreram no Terminal PROEB – que ficou fechado por uma hora – entre a polícia
e os manifestantes, ninguém se feriu. A força policial da cidade mais uma vez
foi conscienciosa e agiu da forma mais diplomática possível.
Contudo, fica óbvio, parte do movimento se perdeu. Entre
as bandeiras partidárias estampadas em camisetas de forma cinicamente inocentes
e os articuladores com pretensões políticas, o fracasso no número de manifestantes
já mostra o que parecia só um temor: muitas das pessoas que levavam o movimento
a sério – gente que entrevistamos e viemos a admirar pela ideologia –
simplesmente não se interessaram mais em ir.
“Não desejo ser
vaquinha de presépio pra propaganda política”, foi a melhor definição dada
por um jovem que deixou o local em relação ao sentimento de muitos.
O Ministério Público, o digníssimo promotor Gustavo
Mereles Ruiz Diaz e outras forças ainda confiáveis de defesa a moralidade
pública não são oniscientes e tampouco onipresentes. Se tivesse sido
apresentado a estes documentos com estudos que comprovassem fraudes na
licitação do transporte público e adulterações nos cálculos de planilha, eles
poderiam fazer algo: algo mais do que gritar. Algo efetivo. Algo jurídico.
É de conhecimento público que alguns dos ‘novos ônibus’
da frota são ônibus velhos que foram comprados barato, recauchutados e
repintados. Mas nenhuma entidade jurídica ou jurista sério poderá fazer algo
sem que haja provas para tais acusações.
Enquanto isso a passagem aumentou na manhã desta terça
(28/02), quem lucrou com isso está rindo e os que usaram o movimento para se
promover estão satisfeitos.
Mas a maior pergunta – aquela que todo eleitor deveria se
fazer ao ir votar esse ano é – quem você quer para representar você no
plenário: alguém com propostas sérias ou pessoas que travam suas guerras
escondidas atrás de jovens retirados irresponsavelmente de suas escolas?
Parabéns, grande matéria!
ResponderExcluirConseguiu por em palavras o que muitos pensavam e colocar de forma organizada para que muitos consigam entender os diferentes pontos de vista da situação!
Realmente, nota 10!